Com Levy, Fazenda terá 'workaholic' de ideias firmes e tão turrão quanto Dilma
Quando Dilma anunciou a saída de Guido Mantega, ainda durante a campanha presidencial, esperava-se que chamasse um substituto que pensasse como ela ou que, ao menos, se subordinasse às suas vontades.
Levy não é nada disso.
Diferentemente da presidente, Levy, 53, é liberal, doutor pela ultraortodoxa Universidade de Chicago, com anos de serviços prestados ao FMI e amigo de Armínio Fraga, conselheiro do rival Aécio Neves (PSDB) na eleição.
Até esta semana era diretor do Bradesco. Vai trocar um salário anual de cerca de R$ 1 milhão, podendo chegar a R$ 3 milhões, dependendo do cumprimento de metas, pelos R$ 26.723,13 mensais de ministro de Estado.
Antes mesmo de ser confirmado, o que é previsto para esta quinta (27), ele vem sendo bombardeado pelo "fogo-amigo" de parte do PT.
Fora da ala mais resistente do partido, porém, sua presença na equipe econômica foi interpretada como um sinal de que Dilma reconhece a fragilidade da economia e estaria disposta a uma reviravolta na área -que inclui cortar gastos e elevar impostos, algo muito impopular.
Dentro do Palácio do Planalto, Levy já é chamado de "Joaquim mãos de tesoura".
De trato gentil e bem-humorado, um de seus hobbies é passear no aterro do Flamengo, no Rio. Interessado pela vegetação do local, elabora com a paisagista Denise Monteiro um guia das árvores do parque. "Ele é autodidata, se interessa tanto que conhece algumas espécies pelo nome científico."
Quem conviveu com Levy, no entanto, afirma que esse personagem aparentemente pacato desaparece quando começa a trabalhar.
De sua passagem pela Secretaria do Tesouro no governo Lula, entre 2003 e 2006, ficou lembrança de jornadas que iam até as 3h da madrugada. Com a mulher e as duas filhas morando em Washington (EUA), ele entupia a caixa de e-mails de colegas antes mesmo que acordassem.
Nas reuniões de trabalho, defendia suas opiniões com insistência. Quando não conseguia convencer, voltava ao tema em reuniões seguintes com argumentos renovados. Ia ao limite, mas acatava as determinações de Antonio Palocci, quando o então ministro da Fazenda, seu chefe, precisava arbitrar divergências.
"Ele é muito determinado, gosta de desafios profissionais e trabalha muito, muito duro para atingi-los", diz a ex-diretora do FMI Teresa Ter-Minassian, que conviveu com Levy quando ela chefiava missões do Fundo no Brasil e ele estava no governo.
Com longa experiência no setor público, o novo ministro integrou a equipe econômica das gestões FHC e Lula.
Seu último cargo público fora como secretário de Fazenda do Estado do Rio (2007-2010). Assumiu as contas públicas estaduais em frangalhos. Conseguiu reequilibrar as finanças e abrir espaço para a obtenção de empréstimos. Cortou gastos e chegou a usar artimanhas, como congestionar o sistema de contas do Estado nos últimos dias do ano para adiar despesas e segurar dinheiro em caixa.
Quando esteve no comando do Tesouro Nacional de Lula, Levy conduziu um ajuste fiscal à brasileira -mais baseado em aumento de impostos, corte de investimentos e contenção do salário mínimo do que na redução das despesas do governo.
De início, operou com penúria de receitas -o que se repetirá agora. A economia encolheu nos dois primeiros trimestres de 2003, primeiro ano de Lula, o que comprometeu a arrecadação.
Uma elevação de alíquotas e bases de cálculo das contribuições sociais começou naquele ano, mas a ampliação da poupança pública dependeu do bloqueio de obras públicas e de reajustes salariais.
Restabelecida a confiança do mercado, a recuperação da economia potencializou a alta da carga tributária e permitiu um saldo recorde, até hoje não ultrapassado, das contas federais em 2004.
Fabio Braga/Folhapress | ||
Joaquim Levy, convidado para o Ministério da Fazenda |
Durante os pouco mais de três anos com a chave do cofre, ele teve alguns conflitos com colegas de governo.
Criticou diretores do BC, que queriam elevar juros contra a inflação -isso iria aumentar as despesas do governo com o pagamento da dívida, que estava sob sua responsabilidade.
A divergência mais aberta se deu com a própria Dilma, então na Casa Civil. A equipe liderada por Palocci propôs um programa de controle de gastos no longo prazo, com limites para a expansão das despesas permanentes com pessoal, custeio e (suprema heresia) programas sociais.
Dilma foi a público contra a ideia, classificando o ajuste de "rudimentar". "Despesa corrente é vida", disse ela.
Levy contra-atacou, também pela imprensa: "Quero crescer como a Índia, como a China, como a Coreia, ou quero continuar dando aumentos, aposentadorias; vamos inventar novas vinculações, vamos proteger a universidade, o fulano, o beltrano?".
Ele deixou o governo logo depois de Palocci, que saiu em meio a suspeitas de que, ainda como ministro, se reunia com lobistas de Ribeirão Preto, sua cidade.
Levy foi então indicado por Lula ao recém-eleito governador Sérgio Cabral (PMDB), que, mais tarde, começou a perder popularidade ao aparecer em fotos com o empresário Fernando Cavendish, dono da construtora Delta, investigado por corrupção.
As imagens foram tiradas em 2009 em uma festa em Paris, em que Cabral, Cavendish e outros membros do governo do Rio posavam com guardanapos na cabeça.
Levy estava na comitiva que foi a Paris para receber um prêmio do governo francês, mas não aparece nas fotos da festa do guardanapo.
Em 2010, deixou o governo Cabral, após divergências com boa parte do secretariado. Os colegas queriam aumentar os gastos, mas encontraram "Joaquim mãos de tesoura" pela frente. Conforme as pressões políticas aumentaram, Levy preferiu sair.
Quem conviveu com ele afirma que é difícil dobrar Levy. Antes de ir para o governo do Rio, passou pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), em Washington. Com o objetivo de modernizar a administração da instituição, teria ficado incomodado com a morosidade que encontrou e foi embora, em menos de um ano.
Sua trajetória no setor público pode justificar seu interesse no cargo apesar das dificuldades. "Joaquim na essência é um gestor de política econômica. Quem tem esse perfil almeja um dia ser ministro da Fazenda", diz a economista Mônica de Bolle.
A escolha de Levy foi bem recebida pelo empresariado e pelo mercado financeiro. É visto como o profissional certo para arrumar a economia combalida de Dilma.
A dúvida é se, ao encarar o lado amargo do ajuste, como alta do desemprego e crescimento ainda menor, a presidente não terá uma recaída que a faça voltar atrás.
Assessores de Dilma dizem que ela sabe o que está fazendo, até porque uma eventual saída de Levy poderia colocar a perder o plano de tirar a economia do buraco nos próximos dois anos, para voltar a crescer na sequência e turbinar o próximo candidato do PT à Presidência -talvez o próprio Lula, que é fiador de Levy.
Editoria de Arte/Folhapress | ||
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